Livros de Não Ficção Lidos em 2022

terça-feira, 27 de dezembro de 2022


Oi gente que ama livros, hoje venho compartilhar com vocês os livros de não ficção que eu li em 2022. 

Vamos conferir?

Under the Duvet (Marian Keyes):
Eu amo Marian Keyes e isso é um ponto indiscutível na minha vida de leitora. Comecei a ler seus livros em função do bom humor e do olhar divertido dela com o universo feminino contemporâneo, mas em troca tive mais que isso, pois em todos os seus livros são inseridos temas sérios, duros e que de um jeito ou de outro, podem acontecer na nossa vida ou na vida de alguém muito próximo a nós. Seus livros transformam nossas expectativas por romances clichês em reflexões que fazemos no meio de uma piada ou situação engraçada que suas protagonistas atravessam. Marian escreve sobre alcoolismo, solidão, relacionamentos tóxicos e o faz com verdade e profundidade. Quando comecei a ler este livro, fui surpreendida por não ser mais uma ficção romântica e sim um livro de crônicas em que ela compartilha as aventuras de ser escritora com seus leitores. O livro é, sem dúvida, muito divertido porque ela ri de si mesma em situações que algumas pessoas chorariam intensamente. É fácil perceber de onde ela tirou a inspiração para construir suas próprias heroínas e isso me aproximou mais ainda de seu trabalho porque Marian Keyes é o que escreve. Algumas das crônicas – como quando ela perdeu seu passaporte dois dias antes de uma viagem para ver seu irmão se casar e teve que defender seu caso para os burocratas da embaixada irlandesa – são comédia pura, com o toque cruel de ter sido realidade. Outras, como quando ela relata a recuperação do vício, nos comove e nos relembra que existe um ser humano atrás do notebook em que escreve seus enredos.

Nossas Pegadas Mundo Afora (Tatiana Bugueño):
O livro nos traz a experiência de um casal apaixonado explorando o mundo. Em uma narrativa não ficcional, Tatiana e Maurício visitaram 36 países e mais de 360 cidades ao redor do globo terrestre e em sua forma despojada de viajar, de mochila e com orçamento controlado, temos acesso as aventuras que o casal viveu no frio, no calor, com fome e fartura, com superação de obstáculos e sobretudo, desafios vencidos. Tatiana escreve de forma leve, como se estivesse conversando com o leitor. É como se uma conhecida chegasse até você e relatasse de forma informal como foi sua última viagem de férias. Nesse relato tem de tudo: de deslumbramento, micos, frustrações e perrengues a realização de sonhos. Embora seja em sua grande maioria composto por relatos de viagens, a linha condutora do livro é outra e nela talvez encontramos seu diferencial. Tatiana nos conta a motivação em compartilhar suas experiências com o mundo, em função da linda história de amor vivida ao lado do marido e também como essas aventuras vividas além da fronteira precisaram ser ressignificadas após o sério diagnóstico recebido por Maurício em 2015, que colocou uma vírgula em suas viagens.

Uma Terra prometida (Barack Obama):
Barack Obama liderou a maior nação do mundo por 8 anos. Naturalmente, chegar ao cargo mais importante do planeta não é uma tarefa simples e fácil. Na primeira parte de sua biografia intitulada “Uma Terra Prometida” ele passa sua história a limpo. Os ganhos e as perdas, as batalhas e um amplo resumo de sua vida. Mais do que um livro biográfico, Uma Terra Prometida é uma obra que ultrapassa diferentes camadas literárias. Na primeira parte de sua biografia, Barack Obama apresenta todo o caminho que trilhou até a conclusão de seu primeiro mandato como presidente dos Estados Unidos. Transpassar tanta informação, obviamente, não seria uma tarefa simples. O livro é dividido em capítulos extensos, narrando eventos de modo cronológico. Por isso, o leitor não ficará perdido com datas, acontecimentos ou o momento histórico ao qual o autor se refere. Aliás, todo o texto é balizado com datas que estabelecem de modo muito objetivo o período em que é narrado. Em poucos momentos o autor introduz algum acontecimento dissonante, costurando-o com a linha de tempo principal durante a leitura. “Uma Terra Prometida” é apenas a primeira parte da biografia e por isso narra apenas o estágio inicial da vida política do autor. Ainda assim, fatores relevantes são apresentados, como por exemplo, fatos da infância e pensamentos da adolescência, a relação com a família, como os avós, a mãe e a irmã, além de narrar como foi a primeira corrida política, o cargo de senador e o primeiro ano de seu mandado presidencial.

Talvez você deva conversar com alguém (Lori Gottlieb):
Apesar de estarmos no século XXI (em 2020), a terapia ainda é um tabu para muitos. Algumas pessoas continuam a acreditar que manter consultas com psicólogos é apenas para quem está passando por algum momento conturbado mentalmente ou coisa do tipo, mas não é nada disso. A psicologia é um suporte para enfrentarmos a realidade. O excelente livro aborda este tema. Escrito em primeira pessoa, a obra é um relato completo, bem-humorado e contundente sobre a experiência de Lori como terapeuta. Ela mescla a vida pessoal com os atendimentos realizados e sua própria experiência ao fazer terapia. É nessa intersecção de assuntos que o livro se torna rico. Saindo de um academicismo qualquer e esquecível, Lori Gottlier humaniza a figura da terapeuta e quebra qualquer barreira do divã. O leitor -- seja alguém que faz terapia ou que nunca sequer cogitou conversar com um psicólogo em toda a sua vida -- tem seus preconceitos quebrados logo de cara e vai muito além. Em momento algum a autora se coloca como alguém superior, muito pelo contrário. Como uma pessoa real e passível de problemas e questionamentos, ela mostra que a figura do psicólogo não dará respostas certeiras, nem será alguém iluminado que sabe de tudo. Na verdade, estará ali para conversar e dar suporte para pessoas e seus problemas.

Alejandro Sanz #Vive (Oscar Garcia Blesa):
Como toda e qualquer biografia, Oscar Garcia Blesa nos conta a história de vida do superastro da música espanhola Alejandro Sanz, porém neste livro, a organização e cronologia de sua história é diferenciada, pois o biógrafo a organizou em depoimentos de família, amigos, companheiros de trabalho e grandes astros da música latina. Embora saibamos alguns fatos sobre sua vida na infância e adolescência, o livro se concentra na trajetória musical do cantor, mas não nos poupa de contar que ele nunca foi um bom aluno na escola, detalhes que o humanizam e o aproximam de nós, meros mortais. A leitura foi deliciosa e em muitas partes emocionante. Admiro o Alejandro Sanz como cantor, adoro sua voz e suas composições. Mais do que isso, adoro ele ter feito inúmeras parcerias com outros artistas que amo e tudo isso consta no livro, com detalhes que eu desconhecia. Existem capítulos muito comoventes e românticos, como o que sua esposa comenta sobre a música Mi Marciana, composição de Alejandro para ela, que a compara a alguém tão especial que não poderia ser deste planeta e ela o responde dizendo que era ele quem não poderia pertencer a esta humanidade. Alguns fatos históricos também são mencionados, como o 11 de setembro, em que o Grammy daquele ano foi cancelado, o governo americano fechou o céu dos Estados Unidos e eles tiveram que ir por terra até o México para conseguirem retornar para a Espanha.

As Últimas Testemunhas (Svetlana Aleksiévitch):
O livro traz uma centena de relatos de adultos que vivenciaram a Segunda Guerra Mundial durante a infância. O livro é todo marcado pelas vozes dos entrevistados e as conclusões da leitura ficam a cargo de cada leitor. Os relatos, coletados entre os anos de 1978 e 2004 e somente traduzidos para o português em 2018, trazem o modo como cada adulto, na época criança, viu, sentiu e viveu a guerra. Eram crianças de 2 a 14 anos, com exceção de algumas que nasceram a partir de 1941, e de um garoto que nasceu no ano em que o conflito acabou (1945), mas que parece ter vivido a guerra tão intensamente quanto os demais, quando afirma: “Nasci em 1945, mas lembro da guerra. Conheço a guerra”. Ao iniciar a leitura, busca-se uma apresentação, uma contextualização do que virá, mas a interferência explícita da autora se restringe às citações tomadas como prefácio; à apresentação de cada entrevistado com seu nome, a idade que tinha quando a Alemanha invadiu a União Soviética, em 1941 e a profissão que exercia na época em que Svetlana o entrevistou; e por fim, à seleção da parte do relato a ser apresentada. No mais, Svetlana dá voz aos entrevistados. São vozes que chocam, assustam, emocionam, indignam, provocam compaixão e deixam o leitor atônito.

Arrastados (Daniela Arbex):
Não é fácil reportar tragédias, mas a jornalista Daniela Arbex talvez esteja se tornando o grande nome brasileiro dentro deste filão bastante específico: o das reportagens que levam o leitor para dentro de uma cena em que horror impera e um trauma imensurável acomete uma grande quantidade de pessoas. Foi o que aconteceu no livro reportagem Todo Dia a Mesma Noite, que reconta o incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, que matou 242 pessoas e vitimou milhares de famílias. Seu novo livro reportagem, lançado este ano, é mais uma vez uma reconstituição de uma das piores tragédias vividas pelos brasileiros. Arrastados – os bastidores do rompimento da barragem de Brumadinho, o maior desastre humanitário do Brasil, assim como os livros anteriores da jornalista, nos transporta para o exato momento em que os trabalhadores que estavam na mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho e foram surpreendidos pelo rompimento da barragem, em um tsunami de lama que os arrastou por quilômetros e destruiu tudo e todos que estavam ali. O “contrato” que parece ter sido postulado por Daniela Arbex com seus leitores, nesta e noutras obras, é este: levá-los a sentir o sofrimento de muita gente que perdeu sua vida, ou, de uma hora para a outra, ficou sem os seus.

Walt Disney - O Triunfo da Imaginação Americana (Neal Gabler):
O livro narra a história de vida do artista de forma linear desde seu nascimento, em 1901, em Chicago; passa pela infância pobre e alegre em Marceline no Missouri; volta para Chicago, em uma adolescência difícil. Então vai para Los Angeles e monta seu estúdio na Hyperion com o irmão Roy no meio dos anos 20, produzindo as Comédias de Alice e Oswald, o Coelho Sortudo; suas várias idas a Nova Iorque nos anos 30 pelas mãos de agentes inescrupulosos no início do sucesso do Mickey Mouse e das Silly Symphonies (Sinfonias Ingênuas); sua época mais criativa e visionária como artista nos primeiros longas metragens do estúdio, como Branca de Neve, Fantasia, Pinóquio, Dumbo e Bambi; o grande hiato da Segunda Guerra Mundial e a produção em massa de filmes de guerra; os bastidores do relacionamento com os canais de televisão; a abertura da Disneylândia em 1955; e a sua morte em um hospital de Los Angeles, em 1966. Acusado de ser racista por The Song of The South (1946) e antissemita pela criação do Mickey Mouse nos anos 30 ao associar ratos a judeus, Neal Gabler analisa Walt Disney mais como parte de uma geração branca e protestante com pouca ou nenhuma sensibilidade racial do que efetivamente racista e antissemita. Isso contribuiu para aumentar ainda mais a controvérsia em torno dele, deixando a sua personalidade muito mais distinta: como um artista subversivo criador dos primeiros desenhos como Steamboat Willie e Skeleton Dance se tornou um anticomunista e macartista dedo-duro? Como pode um visionário que concebeu o mundo do futuro EPCOT ser, ao mesmo tempo, um conservador em razão da domesticação que Mickey sofreu no final dos anos 30?

Sobre a Escrita (Stephen King):
Mesclando memórias a técnicas de escrita, Stephen King cria uma narrativa que dá a sensação de estar em uma roda de conversa. Sua linguagem é tão clara e envolvente que li Sobre a Escrita quase que todo de uma vez, fazendo pequenas pausas para anotar as dicas e lembretes mais relevantes para mim. De forma muito didática, King separa seu discurso em diferentes partes. Na primeira, seu “Currículo”, constitui os fatos de sua vida que o moldaram não apenas como indivíduo, mas como escritor. Na segunda, “Ferramentas de Escrita”, o autor aborda dicas de linguagem propriamente ditas, selecionando aquelas que, em sua visão, são mais relevantes na construção de um bom texto. Na terceira, “Sobre a Escrita”, propõe responder muitas das perguntas normalmente feitas a um escritor, assim como aquelas que ele gostaria de ter ouvido em seu início de carreira. Na última, “Sobre a Vida: um Post Scriptum”, King discorre sobre o acidente de carro que sofreu enquanto escrevia a primeira edição de Sobre a Escrita e como a escrita, mais uma vez, foi responsável por resgatá-lo. Apesar de o livro conter muitas passagens divertidas em decorrência da linguagem despojada de Stephen King, essa última parte é bastante tocante, sobretudo no que se refere à honestidade e a intensidade com que o autor se declara apaixonado por seu ofício.

Eu Tenho um Nome (Chanel Miller):
Em 2016 um artigo do Buzzfeed explodiu em leituras e compartilhamentos. Era o texto da declaração de Emily Doe para seu agressor, lido no tribunal no dia da sentença. Era um texto sofrido, cru e passional sobre tudo que Emily Doe sofreu desde o dia em que foi estuprada por Brock Turner. Esse livro é sobre esses anos. É a história do estupro, do julgamento e da tentativa de recuperação. É sobre Emily Doe, que finalmente se apresenta como Chanel Miller e assume publicamente sua história e tudo o que sofreu até a publicação. Se você tem gatilhos com estupro, cenas gráficas e descritivas de cenas de crime, julgamento, machismo, injustiça, representação de depressão e ansiedade, talvez essa não seja uma leitura indicada para você, mas acredito que deveria ser uma leitura para todos! É um livro que desperta em nós o desejo de estar alerta e atenta o tempo todo. Você tem que tomar cuidado com o que veste, não deve sair à noite sozinha. Tem que tomar cuidado com o que diz e com o que não diz, com o que bebe, nunca aceitar bebidas de estranhos e sempre olhar seu copo. Na verdade, você não pode ficar bêbada. Isso é a cultura do estupro e machismo em que estamos inseridos e que quer nos fazer acreditar que nos protege. O livro me lembrou do quanto todas as mulheres do mundo são tolhidas de diversas liberdades para se protegerem dos homens. Somos ensinadas que mulheres que não fazem ou não agem de determinada forma, estão fadadas a serem estupradas, abusadas e desmoralizadas, ainda que elas sejam as vítimas da violência.

The Five (Hallie Rubenhold):
Hallie Rubenhold dedicou sua educação e vida em geral ao estudo do passado, e parece que nunca consegue parar de desenterrar fatos novos e surpreendentes examinados por nossos livros de história. Neste livro, ela assume a tarefa incomum de realizar um exame aprofundado das cinco vítimas conhecidas de Jack, o Estripador, explorando suas vidas, origens e destinos finais. Acho que Jack, o Estripador, é o tipo de assunto que dispensa apresentações. Tendo transcendido seu tempo, a figura cuja identidade ainda é debatida encontrou seu caminho nos livros de história em todo o mundo, ensinado nas salas de aula em todos os lugares. A mística em torno de Jack é tão poderosa que ele ganhou vida própria na cultura popular, seus assassinatos sendo retratados repetidamente em livros, filmes e até videogames. No entanto, ao mesmo tempo, isso teve o efeito extremamente infeliz de ofuscar as vítimas de Jack, que foram simplesmente reduzidas a prostitutas. Em seu livro de não-ficção, a autora se encarrega de iluminar a luz da verdade sobre essas almas infelizes. Sem se deter muito nos assassinatos em si ou na possível identidade do Estripador, o livro tem como objetivo nos contar as histórias dessas cinco mulheres, desde a infância até a morte, como foram tratadas e retratadas depois e como finalmente escaparam das memórias coletivas com o passar dos anos. Com foco em cada mulher especificamente, Rubenhold faz o possível para nos conectar com essas mulheres e o contexto de suas vidas.

Quem tem medo do feminismo negro? (Djamilla Ribeiro)
O livro tem como objetivo nos fazer refletir sobre o fato de que o feminismo negro não é uma luta meramente identitária, até porque branquitude e masculinidade também são identidades mas pensar feminismos negros é pensar projetos democráticos. É nesses termos que a filósofa situa sua produção intelectual, que ela mesma define como indissociável da criação de redes de solidariedade política. “Quem tem medo do feminismo negro?” percorre um longo ensaio autobiográfico da autora que recupera memórias de sua infância e adolescência para discutir o silenciamento que sempre sofreu. Foi apenas ao trabalhar na Casa de Cultura da Mulher Negra – onde entrou em contato com autoras que a fizeram ter orgulho de suas raízes – que ela enfim deixou de querer se esconder. Desde então, o diálogo com escritoras como bell hooks, Alice Walker, Toni Morrison e Conceição Evaristo é uma constante. O livro traz também uma seleção de artigos publicados no blog da Carta Capital entre 2014 e 2017, muitos deles reagindo a situações do cotidiano, como os ataques a Maju Coutinho e Serena Williams – a partir dos quais a autora destrincha os conceitos de empoderamento feminino e interseccionalidade – e o aumento da intolerância às religiões de matriz africana. Ela ainda aborda temas como os limites da mobilização nas redes sociais, as políticas de cotas raciais e as origens do feminismo negro nos Estados Unidos e no Brasil, além de explorar obras de referência para a teoria feminista.

Só nós (Claudia Rankine):
O livro traz belíssimas fotografias entre ensaios e poemas, um sistema de anotações não convencional, checagens de fatos, citações a astros da música pop — é impossível não rir quando a autora cita displicentemente a famosa frase “becky with the good hair” —, e experimentalismo literário. Neste livro, a autora analisa a branquitude em seu grupo de amigos intelectuais e até mesmo em estranhos pela rua. O livro vem carregado de ironia e falta de paciência recorrente devido à aleatoriedade de sua abordagem ao questionar o privilégio branco de pessoas desconhecidas em filas de aeroporto, metrô, etc. Mas além da ironia e do humor, temos uma tentativa da autora de descobrir como — ou se — as pessoas brancas costumam pensar em questões raciais em suas casas, com suas famílias, ou até mesmo admitir sua parcela de culpa quando presenciam ou cometem atos corriqueiros e sutis de racismo. O racismo denunciado aqui não é o escancarado, mas aquele não dito, presente no nosso dia a dia, no olhar do branco que não se conforma em encontrar negros, marrons ou indígenas na sua tão exclusiva primeira classe. Sobre disparidades, a autora aponta um estudo que demonstra bem como o sistema norte-americano é favorável ao cidadão branco. A saber, 64% dos políticos eleitos são homens brancos, a discrepância se torna ainda maior quando sabemos que eles são apenas 31% da população dos Estados Unidos. É quase como um espelho invertido que dialoga com o caminho da morte feito por jovens negros que morriam em batalhas desde a Guerra Civil Americana. Para motivo de comparação, na Guerra do Vietnã, 25% dos soldados eram negros e eles eram apenas 13% da população norte-americana, mas os corpos negros representavam cerca de 26% das mortes. Ou seja, homens negros encaravam a guerra para fugir do racismo e dos linchamentos norte-americanos, apenas para enfrentar o racismo e morrer em nome de um país que não os considerava humanos.

Continuo preta: A vida de Sueli Carneiro (Bianca Andrade):
Escrita pela jornalista Bianca Santana, a biografia “Continuo Preta”, narra a história de Sueli Carneiro, uma das maiores intelectuais brasileiras e expoente do movimento negro. O livro mostra Sueli Carneiro, fundadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra e suas exuberantes conquistas, que a tornaram um símbolo para as mulheres negras do país, assim como o estopim de um movimento que culminou em lideranças como Marielle Franco, Djamila Ribeiro e a própria autora da biografia, Bianca Santana. O texto apresenta histórias que a vida discreta de Sueli Carneiro não havia permitido que chegassem ao público. Como explica Santana, a filósofa resistiu nas primeiras entrevistas: “Ela disse, desde o primeiro momento, que não tinha interesse em contar da vida dela, que achava que não havia nada especial, a ideia era compartilhar repertório de luta. Todas as perguntas políticas rendiam muito, e as perguntas pessoais, no começo, não rendiam nada.” O texto de Bianca Santana mostra a infância de Carneiro e o tempo de colégio, quando era “a menina preta da escola”: “Essa menina preta, somente ela de preta na escola, sempre soube o quão racista era o país. Isso acompanha Sueli ao longo da vida, ela sempre soube que era preta, mas sempre soube que ocupar o mundo branco era essencial para outras pretas e pretos desse país.” O livro é delicioso de ler e admirar Sueli Carneiro foi fácil, não por que a autora a colocou em um lugar de louvor, mas porque sua trajetória fez isso ou ela fez isso por si mesma.

Tudo Sobre o Amor (bell hooks):
Um dos temas mais recorrentes no campo das artes é o amor. Músicas, filmes, livros, por exemplo, quando falam sobre o amor, na maior parte das vezes, é em tom ficcional, especialmente, sobre as possibilidades de um amor romântico que se desenvolve quase como uma fantasia para aqueles que desfrutam do trabalho artístico. A autora norte-americana bell hooks se propõe a refletir na obra Tudo Sobre o Amor. Trata-se de um convite à compreensão sobre o tema para além do que os homens são capazes de falar sobre ele. Sim, bell hooks assumidamente em letras minúsculas. Uma das grandes vozes na contemporaneidade sobre questões como raça, gênero, educação e cultura contemporânea. Ela rompe com a ideia do amor romântico, semelhante a uma fantasia, o qual grande parte das pessoas almejam viver um dia, pautado pela atração física e ao sentimentalismo, denominado de “caxetia”, segundo a escritora. O que hooks quer abordar ao longo do livro é a ideia de amor real, que evoque tanto o crescimento espiritual do indivíduo quanto o do próximo. O amor enquanto ação transformadora, permeando todo e qualquer relacionamento humano, desde a infância, o que ela chama de uma ética amorosa. Quando o indivíduo entende esse pressuposto, ele entende verdadeiramente o amor.

Humanidade – Uma história otimista do homem (Rutger Bregman):
Se existe uma crença que une a esquerda e a direita, psicólogos e filósofos, pensadores antigos e modernos, é a suposição de que os seres humanos são maus – e ponto final. É uma noção que pode ser vista diariamente nas manchetes dos jornais. De Maquiavel a Hobbes, de Freud a Pinker, essa crença moldou o pensamento ocidental. O ser humano é egoísta por natureza e age, na maioria das vezes, pensando no interesse próprio. Mas... e se isso não for verdade? O best-seller internacional de Rutger Bregman oferece uma nova perspectiva sobre a história da humanidade com o objetivo de provar que estamos “programados” para a bondade, voltados para a cooperação em vez da competição e mais inclinados a confiar em vez de desconfiar uns dos outros. Na verdade, esse instinto tem uma base evolutiva que remonta ao início da história do Homo sapiens. Éramos assim até descobrirmos a agricultura, a propriedade e a competição. Esse é o conceito defendido pelo filósofo Jean Jacques Rousseau, um dos pais do iluminismo. Segundo o francês, o homem nasce livre – é a civilização que lhe coloca correntes… A partir de inúmeras e importantes pesquisas, de uma argumentação revolucionária e convincente e exemplos reais, Bregman nos mostra que acreditar na humanidade, na generosidade e na colaboração entre as pessoas não é uma atitude otimista – é uma postura realista! E tal comportamento tem enormes implicações para a sociedade. Quando pensamos no pior das pessoas, isso traz à tona o que há de pior na política e na economia. Mas, se acreditarmos na bondade e no altruísmo da humanidade, isso formará a base para alcançarmos uma verdadeira mudança na sociedade.

Estes foram os livros de não ficção que li em 2022 e adorei a grande maioria. Quem sabe em 2023 a experiência seja ainda melhor com este gênero.

Beijos

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Ivi Campos

47 anos. De todas as coisas que ela é, ser a mãe do André é a que mais a faz feliz. Funcionária Pública e Escritora. Apaixonada por música latina e obcecada por Ricky Martin, Tommy Torres, Pablo Alboran e Maluma! Bookaholic sem esperanças de cura, blogueira por opção e gremista porque nasceu para ser IMORTAL! Alguém que procura concretizar nas palavras o abstrato do coração.




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