As Coisas que Perdemos no Fogo (Mariana Enriquez)

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Ficha Técnica:
Nome Original: Las cosas que perdimos en el fuego 
Autora: Mariana Enriquez
País de Origem: Argentina
Tradução: José Geraldo Couto
Número de Páginas: 192
Ano de Lançamento: 2017
ISBN-13: 9788551001448
Editora: Intrínseca

Oi gente que ama livros, hoje venho com a resenha do 69º livro lido em 2019 e foi As Coisas que Perdemos no Fogo (Mariana Enriquez). Este livro foi a leitura do mês do Clube do Livro Leia Mulheres Santo André. Fiquei muito empolgada com a leitura porque a autora é argentina e seria uma experiência interessante para mim.

O livro é uma coletânea de doze histórias que flertam com o terror e o suspense, trazendo as características sul-americanas para o texto. As histórias trazem situações do cotidiano de uma forma que pretende dar medo ou apreensão em quem está lendo e envolver o leitor. Não é um livro que traz fantasmas ou situações sobrenaturais como em outros enredos do gênero, mas a autora explora uma maneira particular de ver o mundo, surpreende e aterroriza ao nos colocar em situações corriqueiras e ao mostrar que em seu imaginário, um mundo além do nosso pode estar mais próximo do que imaginamos. A princípio existe uma estranheza em entender a forma com a autora quer nos contar as histórias, mas quando nos acostumamos, o livro flui rapidamente.

Quero comentar três dos doze contos que compõem o livro.

O conto As Coisas que Perdemos no Fogo dá título à narrativa, é o último da coletânea e explora as nossas definições de beleza e desejo. Começam a acontecer ataques a mulheres belas por todas as partes. Homens com sede de violência colocam fogo nelas, sejam no metrô, andando pela rua, no trabalho. Isso acaba deflagrando um culto feminino às mulheres queimadas, pois elas passam a valorizar a si mesmas e essa ideia se torna algo semelhante a uma religião. Mulheres passam a colocar fogo em si mesmas e aquelas que saem ilesas se tornam pessoas abençoadas. Fogueiras em praça pública se tornam comuns. Isso choca a população masculina no geral, mas quando a reivindicação se torna norma, o mundo se transforma completamente. A noção de beleza muda para algo perigoso.

A autora coloca a questão da libertação feminina de forma mórbida. É uma ode ao empoderamento, à mulher recuperando sua capacidade de estabelecer sua independência em um mundo patriarcal. O próprio título representa onde ela quer chegar e o que elas perdem no fogo é a sua prisão e submissão.

No conto Os Anos Intoxicados somos apresentados a um grupo de amigos que vivem com tudo nos últimos anos da década de 1980. A vida como uma festa regada a drogas, a sexo e a muita loucura todos os dias. O furgão do namorado de Andrea servia para esconder o que elas estavam fazendo e levá-las até onde elas quisessem ir. Com o passar dos anos, as pessoas mudam até restarem apenas as duas amigas que são as protagonistas. Elas descobrem um jeito de se drogar de uma forma que parece que o tempo parou completamente para elas. Só que elas precisam realizar coisas cada vez mais ousadas para alcançar esta sensação, naquele instante onde tudo para e elas deixam de sentir. Isso as conduz a um caminho sem volta, quando elas perdem todo o peso do corpo para se colocarem mais próximas das portas da morte. O momento final é assustador.

É uma bela analogia aos anos dourados das drogas e o caminho apresentado por elas. Percebemos que a protagonista é alguém que não se conforma com o status quo, uma vida normal não basta a ela, pois seu instinto diz que precisa procurar por algo mais. As emoções da vida, as lutas, os obstáculos não lhe interessam e sua amiga é cúmplice nessa jornada. O terror vem da absoluta quebra de limites, quando nem mesmo a vida alheia importa se isto se colocar na frente de sua busca pelo nirvana supremo.

Se vocês buscam algo realmente assustador, há o conto Nada de Carne entre Nós? Alguém tão obcecada com um esqueleto encontrado em uma rua, que deseja se ligar completamente a esta pessoa que nem sabe quem é, mas possui uma história forjada por ela. A ligação entre ambas se torna sombria e a protagonista deseja praticamente se fundir a esse esqueleto. Sua obsessão piora e ela passa a ser emagrecer tanto que não haverá barreiras entre ossos e carne. Tudo a seu redor se torna vazio e inócuo e mesmo seu namorado não tem mais importância. A maneira como a narrativa progride de forma veloz é assombrosa e em pouco tempo vemos o quanto a sanidade se perdeu em algum momento.

De uma maneira geral, os contos são muito intensos e envolventes. Alguns mais assustadores que outros, mas existe uma harmonia de escrita bem regular entre as tramas. Porém um detalhe me incomodou no decorrer da leitura: em determinados momentos a autora descreve personagens asquerosas e algumas delas eram gordas, como se ser gorda fosse algo repulsivo e que causava aversão as pessoas ao redor. Isso me deixou bem desconfortável porque senti que existe um padrão de beleza para a autora que é seguido cegamente sem grande reflexão.

Salvo por este detalhe, a leitura fluiu e adorei conhecer a escrita da autora e a forma como ela descreve o ritmo e os costumes do povo argentino.

Eu gostei.


Um pouco sobre a autora: Mariana Enriquez nasceu em 1973 em Buenos Aires. É jornalista, subeditora do jornal Página/12 e professora. Alguns de seus livros publicados no Brasil são:

  • As Coisas que Perdemos no Fogo
  • Este é o Mar
  • Acerto de Contas
Comentários
8 Comentários

8 comentários :

  1. Olá!
    Eu acho extremamente inteligente o fato de um autor brincar com o terror sem apelar para o lago sobrenatural da coisa, e nessa obra a autora parece nos presentear com contos riquíssimos, sendo que cada um consegue inserir uma reflexão para o leitor. Entre os citados, As Coisas Que Perdemos No Fogo é o grande destaque, sendo que a metáfora envolvendo o fogo é algo que deve ser elogiado.
    Mas realmente essas descrições preconceituos por parte de Enriquez são bem contraditórias com o posicionamento que a mesma tenta enfatizar com suas produções literárias. Gostaria de questioná-la.
    Beijos.

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  2. Não sou lá de ler coisas de terror, mais assustadoras e tal. Mas contos sempre me chama atenção e gostei da dica. Ainda mais pelo jeito que brinca com umas mensagens sobre uns assuntos pesados, outras questões pra se pensar e tal. Beleza, drogas, obsessão. Tem coisas legais pelo visto e uma narrativa boa. Gosto desse tipo de livro por poder ir lendo aos poucos, é ótimo pra quando bate ressaca e quer algo mais rápido pra ler.

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  3. Olá! ♡ Não sou fã de terror, mas gosto bastante de suspense e de contos, então acho que talvez essa leitura funcione para mim.
    Os contos parecem bem envolventes por se tratarem de situações cotidianas, achei isso bem interessante, já que a autora não trabalha nada sobrenatural ou coisas do tipo.
    Achei muito interessante os temas que a autora trabalhou e a maneira com que fez isso.
    Gostei muito que a autora descreve muito bem costumes argentinos, esse é um ponto que me interessou bastante.
    Também me incomoda demais que no livro ser gorda é tido como algo asqueroso e repulsivo.
    Beijos!

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  4. Primeira vez que vejo esse livro, e por se tratar de suspense e terror eu já sei que vou passar longe.
    Gosto de contos, então é bom saber dessa harmonia que há entre eles.
    Mas esse preconceito na escrita da autora me tiraria o prazer de ler mesmo se fosse um gênero preferido.

    Beijos

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  5. Olá!
    Estou chocada com essas histórias. Senti uma carta estranheza com os acontecimentos que a autora descreve, é muito surreal e bem dark, portanto não faz o meu estilo de leitura. Que horror esse preconceito da autora, num tempo em que tanto se fala de diversidade, e logo ela que tenta mostrar o empoderamento feminino (numa história muito tenebrosa devo salientar) entra totalmente em contradição ao afirmar algo assim. O senso de humor dos argentinos é bem estranho.
    Beijos

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  6. Oiii ❤ Eu gostei bastante do título, faz a gente ficar pensando sobre o que pode ser a obra.
    Gosto de suspense, mas não sou muito fã de terror, então não sei se leria, apesar de ter ficado curiosa sobre os contos.
    Adorei que a autora trouxe traços sul-americanos para as histórias e que o livro não tenha seres sobrenaturais, mas nós deixe com medo como se tivesse.
    O conto, dentre os citados, que chamou mais a minha atenção é As coisas que perdemos no fogo, pois gostei que parece fazer uma crítica aos padrões de beleza e promove o empoderamento.
    É um tanto contraditório que o conto que dá nome ao livro critique os padrões de beleza, mas em outro conto as mulheres gordas serem vistas como asquerosas.
    Beijos ❤

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  7. Fiquei bem assustada, principalmente com o primeiro conto onde as mulheres são queimadas/se queimam (PAI AMADO!). E confesso não ter lido sobre o terceiro conto ja que é de noite, e temo por meus sonhos se tornarem pesadelos rsrs. Enfim, com certeza eu lerei esse livro! So que de dia e rodeada de pessoas, talvez.

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  8. Terror não é muito a minha praia, mesmo sendo històrias bem interessantes, seria um livro que eu leria aos poucos para não ficar com tanto medo.

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Ivi Campos

47 anos. De todas as coisas que ela é, ser a mãe do André é a que mais a faz feliz. Funcionária Pública e Escritora. Apaixonada por música latina e obcecada por Ricky Martin, Tommy Torres, Pablo Alboran e Maluma! Bookaholic sem esperanças de cura, blogueira por opção e gremista porque nasceu para ser IMORTAL! Alguém que procura concretizar nas palavras o abstrato do coração.




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