Ficha Técnica:
Nome Original: Born to Crime
Autor: Trevor Noah
País de Origem: África do Sul
Tradução: Fernando de Castro Daniel
Número de Páginas: 336
Ano de Lançamento: 2020
ISBN-13: 9788576868019
Editora: Tag Inéditos
Oi gente que ama livros, hoje venho com a resenha do 20º livro lido em 2020 e foi Nascido do Crime (Trevor Noah). Esse livro chegou para mim através da caixa de janeiro da Tag Inéditos e confesso que nunca tinha ouvido falar do autor e nem imaginava sobre o que seria o livro. Com uma rápida pesquisa no Google, descobri que ele é o atual apresentador do The Daily Show, popular programa americano. Ainda assim, me questionei se eu deveria ler a biografia de uma pessoa que desconhecia, mas me aventurei e já adianto que foi um livro incrível!!!
O livro traz a história de vida de Trevor Noah, hoje com 36 anos que nasceu de uma relação ilícita. Não estou falando que sua mãe ou seu pai eram casados com outras pessoas quando nasceu, não é isso que torna sua concepção errada. O que fez Trevor nascer de um crime foi o fato da mãe ser negra, o pai branco e ele ter nascido na África do Sul durante o Apartheid, regime político de forte segregação racial em que dirigentes brancos se aproveitaram da vulnerabilidade da população negra para marginalizá-los. Ele foi criado e educado pela mãe, Patricia Noah, uma mulher forte, rígida, mas apaixonada pelo filho e decidida dar uma vida melhor a ele. Não apenas em questões materiais, mas que o filho tivesse oportunidades, direto de escolha, sobrevivesse com bravura e determinação diante do racismo legalizado no país.
“Em qualquer sociedade forjada no racismo institucionalizado, a mistura de raças, além de expor a injustiça por trás do sistema, revela que ele é insustentável e incoerente. A miscigenação é prova de que raças podem se misturar e em muitos casos é isso mesmo que elas querem.” página 33
Sem dúvida, a figura da mãe de Noah é fortíssima em sua narrativa pessoal, não apenas por ter sido uma mãe ousada e forte, mas sobretudo porque também errava na tarefa constante de fazer o melhor pelo seu filho. Muito religiosa, às vezes perdia a mão, mas ele nunca duvidou de seu amor.
Noah teve uma vida de privações e tentou administrar tudo da melhor forma. Foi uma criança levada, aluno rebelde e adolescente problemático, mas tudo isso nos é contado com muito bom humor, em uma prosa que vicia, envolve e algumas partes, emociona. Ele menciona o apartheid com propriedade porque viveu aquilo. Seu país só se livrou disso em 1994 e essa libertação não ocorreu da noite para o dia, foi um processo.
“A periferia me fez perceber que o crime prevalece porque faz a única coisa que o governo não faz: o crime cuida de todos. O crime é uma organização. O crime cuida dos jovens que precisam de apoio e uma mão amiga. O crime oferece programas de estágio, trabalhos de verão e oportunidades de promoção. O crime se envolve com a comunidade. O crime não descrimina.” página 244
O livro não é linear e fatos da vida adulta se misturam com a vida na infância, mas tudo muito bem explicado de forma que você sabe exatamente a fase da vida do autor a que se refere. É engraçado, leve, direto e ainda assim, nos faz pensar sobre a posição de privilégios que gozamos e sustentamos sem nos dar conta que nem todo mundo vive do mesmo jeito.
É um livro que me deixou tão surpreendida pelo conteúdo forte e relevante que eu me senti envergonhada por não conhecer o autor há mais tempo. As reflexões e analogias sobre as situações do dia a dia são muito próximas a realidade que vivemos no Brasil, em que algumas pessoas conseguem se achar melhor que uma multidão por simplesmente serem privilegiadas por cor, situação social ou conhecimentos. Existiram partes do livro que eu gargalhei e outras que os olhos arderam com vontade de chorar e tudo o que eu queria era poder sentar com o autor e bater um longo papo.
“É comum eu encontrar ocidentais que insistem que o Holocausto foi, sem sombra de dúvida, a pior atrocidade da história humana. Sim, foi algo terrível mesmo. Mas fico me perguntando: e as atrocidades cometidas na África, como as do Congo, também não foram terríveis? O que os africanos não tem, mas os judeus têm, é documentação. Os nazistas mantiveram registros meticulosos, tiraram fotos, fizeram filmes. E aí está a explicação de tudo. As vítimas do Holocausto contam porque Hitler as contou. Seis milhões mortos. Podemos todos verificar os números e nos horrorizar. Com razão. Mas, ao analisar a história das atrocidades contra os africanos, não a registros, números, apenas suposições. Fica mais difícil ficar horrorizado com um palpite. Quando Portugal e Belgica estavam saqueando Angola e Congo, eles não contaram os negros que massacraram.” página 229
O livro ainda é um lançamento exclusivo para os assinantes da Tag Inéditos mas em breve será lançado pela Verus Editora, então fica aqui minha forte indicação de um livro leve, bem escrito, divertido e que além disso nos faz pensar com seriedade sobre temas fortes como racismo, violência, criminalidade.
Eu amei!!!