Texto: Faxina nos Mitos (Lya Luft)

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Oi gente que ama livros, hoje venho com uma postagem diferente. Estou publicando aqui um dos meus textos prediletos da querida Lya Luft, escritora gaúcha, conhecida por suas crônicas inteligentes. Deliciem-se:

Faxina nos Mitos

Boa parte de nossa infelicidade ou aflição nasce do fato de vivermos rodeados (por vezes esmagados ou algemados) por mitos. Nem falo dos belos, grandiosos ou enigmáticos mitos da Antiguidade grega. Falo, sim, dos "mitinhos" bobos que inventou nosso inconsciente medroso, sempre beirando precipícios com olhos míopes e passo temeroso. Inventam-se os mitos, ou deixamos que aflorem, e construímos em cima deles a nossa desgraça.


Por exemplo, o mito da mãe-mártir. Primeiro engano: nem toda mulher nasce para ser mãe, e nem toda mãe é mártir. Muitas são algozes, aliás. Cuidado com a mãe sacrificial, a grande vítima, aquela que desnecessariamente deixa de comer ou come restos dos pratos dos filhos, ou, ainda, que acorda às 2 da manhã para fritar (cheia de rancor) um bife para o filho marmanjo que chega em casa vindo da farra. Cuidado com a mãe atarefada que nunca pára, sempre arrumando, dobrando roupas, escarafunchando armários e bolsos alheios sob o pretexto de limpar, a mãe que controla e persegue como se fosse cuidar, não importa a idade das crias. Essa mãe certamente há de cobrar com gestos, palavras, suspiros ou silêncios cada migalhinha de gentileza. Eu, que me sacrifiquei por você, agora sou abandonada, relegada, esquecida? E por aí vai...
E o mito do homem fortão, obrigado a ser poderoso, competente, eterno provedor, quando esconde como todos nós um coração carente, uma solidão fria, a necessidade de companhia, de colo e de abraço – quando é, enfim, apenas um pobre mortal.


Ou o mito do bom velhinho: nem todo velho é bom só por ser velho. Ao contrário, se não acumularmos bom humor, autocrítica, certa generosidade e cultivo de afetos vários, seremos velhos rabugentos que afastam família e amigos. Nem sempre o velho ou velha estão isolados porque os filhos não prestam ou a vida foi injusta. Muitas vezes se tornam tão ressequidos de alma, tão ralos de emoções, tão pobres de generosidade e alegria que espalham ao seu redor uma atmosfera gélida, a espantar os outros.

Falemos ainda no mito da esposa perfeita, aquela da qual alguns homens, enquanto pulam valentemente a cerca, dizem: "Minha mulher é uma santa". Sinto muito, mas nem todas são. Eu até diria que, mais vezes do que sonhamos, somos umas chatas. Sempre reclamando, cobrando, controlando, não querendo intimidades, ocupadas em limpar, cozinhar, comandar, irritar, na crença vã de que boa mulher é a que mantém a casa limpa e a roupa passada. Seria bem mais humano ter braços abertos, coração cálido, compreensão, interesse e ternura.
O mito de que a juventude é a glória demora a ruir, mas deveria. Pois jovem se deprime, se mata, adoece, sofre de perdas, angustia-se com o mercado de trabalho, as exigências familiares, a pressão social, as incertezas da própria idade. A juventude – esquecemos isso tantas vezes – é transformação por vezes difícil, com horizontes nublados e paulatina queda de ilusões. É fragilidade diante de modelos impossíveis que nos são apresentados clara ou subliminarmente o tempo todo.
Enfim, a lista seria longa, mas, se a gente começar a desmitificar algumas dessas imagens internalizadas, começaremos a ser mais sensatamente felizes. Ou, dizendo melhor: capazes de alegria com aquilo que temos e com o que podemos fazer numa vida produtiva, porque real.


Sobre a autora: Lya Luft nasceu em Santa Cruz do Sul, uma colônia germânica do Rio Grande do Sul, em 1938. Apaixonada por livros desde menina, aos 11 anos, decorava versos de Goethe e Schiller. Poeta, cronista, contista, romancista e ensaísta, é uma das mais prestigiadas autoras da literatura brasileira contemporânea, alia sucesso de crítica e público e é considerada o maior fenômeno editorial brasileiro dos últimos anos. Algumas de suas obras são:

  • Flauta Doce, 1972
  • Matéria do Cotidiano, 1978
  • A Asa Esquerda do Anjo, 1981
  • O Quarto Fechado, 1984
  • Exílio, 1987
  • A Sentinela, 1994
  • Secreta Mirada,1997
  • O Ponto Cego, 1999
  • Histórias do Tempo, 2000
  • Mar de Dentro, 2000
  • Perdas e Ganhos, 2003
  • Histórias de Bruxa Boa, 2004
  • Pensar é Transgredir, 2004
  • Para não Dizer Adeus, 2005
  • Em outras Palavras, 2006
  • A Volta da Bruxa Boa, 2007
  • O Silêncio dos Amantes, 2008
  • Criança Pensa, 2009
  • Múltipla Escolha, 2010
  • A Riqueza do Mundo, 2011
Comentários
4 Comentários

4 comentários :

  1. Lia é uma DIVA da literatura!!! Adorooo!!

    Beijos gata,
    participa do meu blog também?
    soueupri.blogspot.com.br

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  2. Amei o post!!!
    Super concordo com a parte sobre a juventude!! Nem tudo é alegria e descobertas felizes!!

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  3. Lindo texto...
    Depois que envelhecemos um pouco, esquecemos o quanto essa fase é difícil!
    Linda reflexão!
    Beijos

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  4. Adorei o texto, super bacana
    concordo sobre a juventude, nem tudo é um mar de rosas
    Beejo

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Ivi Campos

47 anos. De todas as coisas que ela é, ser a mãe do André é a que mais a faz feliz. Funcionária Pública e Escritora. Apaixonada por música latina e obcecada por Ricky Martin, Tommy Torres, Pablo Alboran e Maluma! Bookaholic sem esperanças de cura, blogueira por opção e gremista porque nasceu para ser IMORTAL! Alguém que procura concretizar nas palavras o abstrato do coração.




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